sábado, 21 de janeiro de 2017

Despersonalização


Após um grave acidente sofri um autoexílio, fiquei ausente de mim.
Uma forte sensação de não me pertencer se instaurou desde os primeiros dias. Minha mente esqueceu quem eu era. Mesmo após a recuperação física, vivia no automático; trabalhava, estudava, me relacionava, mas era como se não fosse eu que estivesse ali, estava assistindo a minha própria vida. Não conseguia falar sobre isso com ninguém, Como falar de algo que eu não conseguia nomear, identificar?
Durante certo tempo tentei descrever a sensação de ter perdido a mim mesmo. Eu que gosto tanto de palavras fiz um esforço para que alguma coubesse em minha Ausência. Esmiucei o dicionário, acabei com o estoque de adjetivos para tentar qualificar meus sentimentos, nenhum vocábulo foi suficiente para descrever meu estado, de uma condição que me fez estranha de mim mesmo, uma ausência desesperadora do meu eu.
Como se tudo que estivesse acontecendo fosse com outra pessoa e eu estava apenas assistindo. Eu tinha sido arrancada da minha vida, da minha história. Eu era uma espectadora/observadora da minha própria vida, fora da realidade. Era como uma sonâmbula diariamente, mas não apresentava mudanças significativas, por isso a despersonalização passou sem ser notada por todos que me rodeavam.

♪ ♫ ♩ ♫     Restitui, eu quero de volta o que é meu    ♪ ♫ ♩ ♫
  ♫ ♩ ♫  ♪   Sara-me e põe teu azeite em minha dor     ♫ ♩ ♫  ♪

Ciente do meu estado, durante um ano fiz uma pasta para anotar minha vida, como se fosse uma agenda com acontecimentos pessoais e do mundo. Escrevi na primeira página: “O ano que não existi”, e lá coloquei as coisas significativas que me aconteciam e também noticias do mundo. Eu tinha a sensação de não lembrar das coisas, pois eu não me apropriava dos acontecimentos. Tinha consciência que estava vivendo algo surreal e queria ter lembranças quando voltasse a si.
Ainda não sabia o que estava de fato acontecendo, mas sabia que era efeito do trauma do acidente. Sem saber que era uma doença, considerei como temporário, que voltaria ao normal, não procurei tratamento, nem médico nenhum.
Permaneci nesse estado durante um ano e meio, a cura veio de forma gradual, sem tratamentos, e um dia percebi que essa ausência de mim e da minha realidade havia se dissipado. Milagre? Não sei, mas voltei a ser eu mesmo, voltei para minha vida.
Após 4 anos, em um tratamento médico, relatando tudo o que vivi desde o acidente, recebi o diagnóstico: síndrome de despersonalização/desrealização.
Apesar de já curada, fui procurar informações, descobri que se encaixava exatamente na minha experiência. Como nunca tinha ouvido falar nisso? Simples, a gente só se interessa por algo quando faz parte da nossa experiência de vida.
Li relatos de pessoas com a doença e soube de filmes que tratavam do assunto. Apesar de pouco popular, essa doença já atingiu muitas pessoas.
Resolvi contar minha experiência para torná-la mais conhecida, quem sabe assim as pessoas possam identificar e lidar com ela de uma forma melhor. 
O meu caso não foi grave (foi consequência do estresse pós-traumático), li relatos de pessoas que convivem com a despersonalização durante muitos anos. Felizmente fui curada e superei complemente a doença.
Deixo abaixo algumas informações básicas:

Síndrome de despersonalização ou desrealização

Nas áreas da psiquiatria e da psicologia, a despersonalização (CID-9/10) é entendida como uma desordem dissociativa, caracterizada por experiências de sentimentos de irrealidade, de ruptura com a personalidade, processos amnésicos e apatia. Pode ser um sintoma de outras desordens como transtorno bipolar, transtorno de personalidade borderline, depressão, esquizofrenia, estresse pós-traumático e ataques de pânico. A despersonalização pode ainda surgir com o consumo de drogas, como Cannabis ou Ecstasy; mas há outras causas: esta pode desenvolver-se devido a uma exposição prolongada a estresse, mudanças repentinas no contexto pessoal, laboral ou social, entre outros fatores. A despersonalização encontra-se intimamente relacionada com a ansiedade. Enquanto desordem isolada, é desencadeada pela vivência de uma situação traumática, como maus tratos (de natureza física ou psicológica), acidentes, desastres. Esta pode ainda despoletar-se no indivíduo se este atravessar um conflito interno insuportável: a mente passa por um processo inconsciente de dissociação - separa (dissocia) conhecimento, informações ou sentimentos incompatíveis ou inaceitáveis oriundos do pensamento (realidade) consciente. Foi descrita pela primeira vez pelo psiquiatra francês Ludovic Dugas.
De acordo com a última edição da DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) a despersonalização surge como uma desordem dissociativa: As características essenciais do Transtorno de Despersonalização consistem de episódios persistentes ou recorrentes de despersonalização, caracterizados por um sentimento de distanciamento ou estranhamento de si próprio. O indivíduo pode sentir-se como um autômato ou como se estivesse em um sonho ou em um filme. Pode haver uma sensação de ser um observador externo dos próprios processos mentais, do próprio corpo ou de partes do próprio corpo. (Fonte: Wikipédia)

Escrevi o texto abaixo antes de conhecer a doença:
https://marciapinho.blogspot.com.br/2013/10/exilio.html

domingo, 15 de janeiro de 2017

Free


Você é livre?
Muitas vezes parece que a gaiola está trancada e estamos presos, mas a gaiola está aberta e mesmo assim continuamos presos. Muitos presos continuam na gaiola por não saber que estão presos ou por estarem condicionados e não sabem como ir para outro lugar, como agir de outro modo.
Aqui apenas um exemplo de algo que prende as pessoas, o cigarro. Mas no lugar do cigarro poderia estar um símbolo fálico, uma ideologia, uma figura, enfim, podemos estar presos a diversas coisas.
Qualquer coisa a qual temos dificuldade em dizer não é uma prisão.
Coisas que nos fazem mal ou farão, um relacionamento, um modo de viver, uma visão de mundo que nos mantém estagnados.
São muitas as prisões da vida e nem sempre estamos conscientes delas.
Nem sempre as prisões se apresentam em forma de vícios como conhecemos (cigarro, bebida, sexo etc), às vezes as prisões estão tão bem disfarçadas que nem nos damos conta.
Você sabe qual é a sua prisão, o que te mantém preso ao mesmo lugar?
Ou você se considera livre?

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Egolatria


O egocentrismo é algo tão comum, tão “humano” que já não percebemos quando se tornou um “deus”. Idolatramos o nosso “eu” e distorcemos a realidade em nosso volta em nome desse ídolo que precisa ser reverenciado, muitas vezes à custa dos outros.
Começamos a supor que conhecemos as motivações, pensamentos, caráter e intenções da outra pessoa. Acreditamos em nossa interpretação sobre as ações alheias e isso se torna uma bússola no relacionamento, isto é, tratamos o outro com base em nossa interpretação (nem sempre correta). Alguém demora em responder uma mensagem, então você deduz que a pessoa está chateada com você. Acontece que ela estava impossibilitada de responder na hora. Você chama alguém para sair, e se ela recusa, então você presume que ela não quer sair com você, quando existem motivos pessoais, não relacionados à sua pessoa. Interpreta uma mensagem na rede social como indireta para você e por aí vai. Como se as atitudes das pessoas estivessem sempre relacionadas à sua pessoa. Hellooo! O mundo não gira ao seu redor não!
Não importa qual é a verdade, devemos pensar o que nos leva a julgar os outros de maneira pecaminosa, muitas vezes colocando uma culpa/responsabilidade indevida. E quantas injustiças fazemos baseadas em nossas suposições?!
Os falsos pensamentos que nos levam a julgar os outros são uma forma de orgulho. Cobramos do outro, ainda que em pensamento, aquilo que eu julgo como o certo, exijo do outro uma postura exemplar, afinal eu sou assim (só que não). E meço as ações alheias segundo minha régua de conduta, como se eu mesmo tivesse uma conduta irrepreensível. Pura ilusão!
Não admitimos que o outro cometa aquele pecado que eu também cometo (oculto) e cobramos, veja só que ironia, cobramos do outro aquilo que eu mesmo faço ou tenho potencial para fazer. Afinal “nada do que é humano me é estranho” (Terêncio).
Nada que desprezamos nos outros está ausente em nós mesmos. Temos que aprender a ver as pessoas menos à luz do que fazem ou não fazem e mais à luz do que sofrem.”
Dietrich Bonhoeffer
Esquecemos que outras pessoas têm suas fraquezas, assim como temos as nossas. E por causa das fraquezas falhamos uns com os outros.
Acabamos sendo carrascos do outro e em consequencia de nós mesmos, estragamos relacionamentos promissores por causa da egolatria.
Queremos que o outro mude, mas não tomamos a iniciativa de mudar nossas posturas. Criticamos o deslize alheio, e somos condescendentes com nossa falta de empatia.
Nos consideramos superiores, afinal, quem errou foi o outro. E quando somos nós que erramos, as nossas justificativas são válidas, somente as nossas!
Desqualificamos o próximo em virtude da supervalorização própria.
Como seguir o mandamento de amar o próximo desse jeito?
A egolatria nos faz pecar contra Deus e contra o próximo.
Não podemos ser santificados enquanto nosso “eu” dominar nossa vida.
O ego nos faz prisioneiros de si mesmo.
O ego nos faz sentirmos ofendidos por qualquer coisa, isto é, é sempre o outro que erra.
E sou eu , o magnânimo que libera o perdão ao vil pecador.
Ofensa = ego ferido
O ego exige estar sempre com a razão.
O ego sente a necessidade de ser sempre o melhor, não podemos estar na média ou abaixo, o que gera uma competitividade tola. 
Enquanto tivermos como prioridade a satisfação do “eu” não poderemos cumprir o mandamento de amar ao próximo como a mim mesmo, pois se esse “amor a mim mesmo” é disfuncional, então é isso que vou refletir nos meus relacionamentos.
Se quer ter relacionamentos sadios, comece pelo seu consigo mesmo.
Se continuar inflando seu ego, ele vai te levar longe… longe das pessoas e de Deus (ainda que mantenha os rituais religiosos).
Um dos nossos piores inimigos é o Ego.
Liberte-se, esvazie-se de si.
Preencha-se de Cristo